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Sociedade

Confrades do Bucho e Tripas do Pego foram entronizados na Igreja de Santa Luzia

9/11/2019 às 00:00
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As quartas-feiras e os sábados eram dias de matança do porco no Pego e, por isso, floresceram as casas de petisco, onde imperava o bucho e a tripa. Era a tradição destes dias ir “petiscar” ao Pego e do muito que se podia comer do porco, desde os enchidos, às febras, entrecosto, entremeada, rim, coração, passarinha, orelha e por aí fora, era a entrada de bucho e de das tripas cozidas na água da morcela [o sabor a cominhos é uma presença “obrigatória”] ou passados depois pelas “brasas” do grelhador, o ponto de partida para tantos convívios à volta de uma mesa com comida farta.

Os anos foram passando e as casas de petisco diminuíram. Mas nunca acabaram. E apareceram outras. Sempre com a mesma base. Tudo começa no bucho e tripas, e depois avança a tradição de comer os grelhados dos suínos, embora já não haja a matança do porco na terra, como em tempos idos.

Mudam as regras, mas os pegachos mantêm a sua tradição de ter no bucho e nas tripas, do porco, o prato típico. Tão típico que, quando pelas bandas de Abrantes e arredores [onde se inclui o Pego, pois claro] se fala em ir petiscar às quartas-feiras ou aos sábados diz-se assim: “Vamos ao bucho”. Está, assim, apresentado o destino e o menu de degustação. Depois é esquecer as dietas e apurar o palato para deglutir carne de porco nas suas mais variadas formas sempre com pão. Recentemente juntam-se os acompanhamentos.

É nesta base do bucho e das tripas, e restantes petiscos à base da carne de porco, que começou a ser desenhada a vontade de se criar um movimento de salvaguarda e promoção de uma tradição pegacha. E é nesta vontade que duas mãos cheias de homens e mulheres se lançaram na criação de uma associação. Mas, como se trata de gastronomia, nada melhor do que uma Confraria do Bucho e das Tripas do Pego. E se bem o pensaram, melhor o fizeram. Trataram dos processos administrativos, criaram a base associativa e respetivo logótipo e insígnias para os confrades usarem.

Depois a veia criativa de escolher o traje oficial. O capote alentejano, de cor azul [as cores do Pego são o azul e amarelo] e o chapéu de abas, também azul. A abotoar o capote, os confrades, mantêm a tradição da aldeia das casas baixas de usar os alamares [botões, em forma de cavalinho, que também estão presentes nas jaquetas do Rancho Folclórico].

A cerimónia entronização interna dos confrades

Este sábado, 9 de novembro, aconteceu o ato um, interno, de entronização dos confrades da primeira confraria do concelho de Abrantes.

Para apadrinhar este ato formal que torna os 24 pegachos confrades, receberam o diploma e a insígnia [medalha] que vão usar ao peito nos atos formais, foi convidada a Confraria do Leitão da Bairrada.

Mas, comecemos pelo início. A manhã começou cedo para a Confraria do Pego e restante organização da cerimónia e do almoço. No edifício sede da Junta de Freguesia, a mesa do pequeno almoço estava composta, e de que maneira. Ou não fosse um ato gastronómico. Entre a boa disposição e a boa maneira de receber lá iam explicando que os rissóis, um dos muitos salgados e doces da mesa, eram de bucho e tripa. Pois, claro. Mais tarde, ao almoço, haveríamos de nos cruzar novamente com eles e com o bucho à moda do Pego, como manda a tradição.

Da Junta de Freguesia saiu um cortejo em direção à igreja de Santa Luzia, igreja paroquial do Pego, onde iria ter lugar a cerimónia interna de entronização dos confrades.

À cabeça ia o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego. De seguida estavam alinhados os futuros confrades do Bucho e das Tripas. E depois seguia a Confraria do Leitão da Bairrada, bem visível com os seus capotes amarelos. Depois, a fechar, os convidados, entre eles os presidentes da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia.

A entrada na igreja levou-os aos locais previamente reservados. No altar, um manequim, mostrava o futuro traje dos confrades e uma mesa com as insígnias e diplomas.

O padre Adelino Dias Cardoso conduziu a celebração religiosa, mas sempre com boa disposição e com palavras de incentivo para esta nova associação. Aliás, “confessou” publicamente que conheceu o Pego e as traseiras da Igreja [onde existia uma das casas de petiscos que durante anos foi uma “marca” pegacha] longe de imaginar que viria a ser Pároco desta aldeia. Claro que conheceu o petisco mais famoso da terra. Voltou-se para os membros da Confraria e vincou o trabalho que têm de fazer ao manter viva “a tradição dos petiscos” para além de “terem de a promover no futuro”. E depois deixou “o recado” de que terão de ter a força para encarar, de forma positiva, as críticas, que, com certeza, vão ser alvo. “Às vezes com a crítica o mais fácil é desistir. Mas não esqueçam que só não é criticado quem não faz nada”.

Antes de terminar a celebração cedeu o tempo para a cerimónia de entronização dos confrades.

O presidente da Assembleia Geral e o presidente da Direção da Confraria do Leitão da Bairrada foram chamando os elementos dos corpos sociais da nova Confraria do Bucho e das Tripas para, a dois tempos, os tornarem confrades.

Enquanto o presidente da Direção colocava a insígnia ao pescoço do confrade, o presidente da Assembleia colocava o bastão em cima do ombro direito do membro que estava a ser entronizado e fazia a leitura do juramento.

Depois, o novo confrade, assinava o livro da Confraria e recebia um pin da Confraria madrinha [uma segunda mãe como disse o Padre Adelino na celebração religiosa]. Assim, um a um, foram entronizados os corpos sociais do Pego.

Depois passaram a ser o presidente da Assembleia Geral, António Moedas, e o presidente da Direção, Manuel Gil, a fazerem o processo de entronização dos restantes confrades. De realçar que o bastão da Confraria do Bucho e Tripa é uma colher de pau gigante.

Um a um, os novos confrades fizeram o juramento:

“Juro em consciência e honra defender em qualquer momento e lugar defender a gastronomia do Pego.

Juro defender as tradições, costumes e produtos da nossa aldeia.

Juro ainda manter uma relação de fraternidade, amizade e respeito entre todos os confrades.

Juro promover o bucho e tripas nem, que para isso, faça das tripas coração.”

 

 

 

Os discursos, o rancho e o almoço, de bucho, claro

Ainda na igreja foram feitos quatro discursos. Todos muito rápidos.

Da presidente da Junta de Freguesia, Florinda Salgueiro, que mostrou a sua satisfação por ter na sua aldeia a primeira confraria do concelho de Abrantes.

Esta é mais uma forma de “promover a nossa gastronomia e as nossas tradições”.

Manuel Jorge Valamatos, presidente da Câmara de Abrantes, virou-se para o Padre Adelino Cardoso e vincou que este, muito antes, tinha dito aquilo que ele tinha pensado em dizer. A propósito das críticas que os que fazem coisas são alvo daqueles que não fazem nada. Depois vincou a vontade de trabalhar em conjunto com a nova Confraria na promoçãodas tradições e revelou que “há muito tempo que se falava na constituição de uma confraria".

António Moedas, o presidente da Assembleia Geral da nova Confraria, também foi "ao altar" fazer vários agradecimentos.

Já António Duque, presidente da Confraria do Leitão da Bairrada, falou mais. Começou por dar as boas-vindas à nova Confraria: “Para o ano a nossa vai comemorar 20 anos. Há 20 anos havia 20 confrarias, hoje existem 200”. Com orgulho em ser uma das mais antigas, deixou alguns conselhos aos novos confrades. A vida não será fácil, disse, ao mesmo tempo que deixou a nota muito séria de que ser confrade é ter responsabilidades, muito trabalho e, até, gastar algum dinheiro em prol da causa que abraçam. “Têm de ser fortes. Temos um lema que vos passamos: unidos somos mais fortes e vamos mais longe”.

E depois António Duque virou-se para o presidente da Câmara e lançou o desafio de forma direta. Criar uma segunda confraria, em torno da Palha de Abrantes.

Depois da missa, novamente em cortejo, voltou-se à cave da Junta do Pego, onde iria acontecer o almoço da cerimónia, à moda do Pego e em jeito de convívio, como manda a tradição.

Antes o Rancho Folclórico da Casa do Povo do Pego mostrou a “sua” tradição, com explicações das modas apresentadas.

Depois, bom, depois foi sentar nas mesas e provar as entradas. O bucho cozido, na forma mais tradicional de comer o bucho e as tripas do Pego. E também os rissóis e as pataniscas de bucho.

Depois de uma canja do cozido, um arroz de bucho, quente e malandrinho, como dizem que deve ser comido e uma “grãozada” de bucho.

E para fechar o repasto, porque no Pego, do porco come-se tudo, um cozido à moda do Pego.

Para fechar, o arroz-doce, em travessas, como manda a tradição e não faltaram a Palha de Abrantes e as Tigeladas.

E depois, bom, os convidados foram à vida deles e os confrades, apesar da chuva, ficaram a preparar a sala para, ao final da tarde, abrirem as portas dos petiscos.