Pesquisar notícia
quinta,
25 abr 2024
PUB
Sociedade

Colinas do Tejo: Reencontrar ritmos perdidos, amar a natureza, viver a vida

7/06/2019 às 09:00
Partilhar nas redes sociais:
Facebook Twitter

Ir ao encontro das Colinas do Tejo é mergulhar no mundo rural e florestal da freguesia de Mouriscas. Temos de passar os lugares de Cascalhos, depois o Casal dos Cordeiros e ainda a Rua da Bica. Temos de perder o alcatrão e, por um caminho estreito em terra batida, fazer mais umas dezenas de metros. Vamos seguindo os postes de cimento, da luz, até encontrarmos os dois únicos pedaços de cimento do complexo turístico. Do complexo e de toda a zona de floresta tipicamente da zona. Uma mistura de floresta mediterrânica mesclada com as espécies invasoras que por ali foram sendo colocadas ao longo de décadas. São os portões das Colinas do Tejo.

É, claro está, uma colina. Uma encosta ligeira que depois de subirmos ao topo, observamos a paisagem e podemos descer, passar a linha de caminho de ferro da Beira Baixa, para encontrarmos as águas calmas do Tejo.

Terá sido este percurso simpático que, num simples olhar, levou João Eduardo Gouveia e a mulher, Paula, a ficar apaixonados e a decidir que era mesmo ali que iriam implementar a ideia de criar um espaço de turismo agro-florestal, cem por cento amigo do ambiente. “Podíamos ter ido para a Lousã ou Mangualde, onde herdei propriedades, mas este foi eleito o local perfeito para o projeto. E o tempo deu-nos razão”, explicou ao JA João Gouveia à porta das suas “colinas”.

Já lá vão cinco anos quando decidiram criar o projeto. João contou que foi um processo simples, tinham de ter água, floresta e possibilidade de uma vida sustentável. Depois reuniram com as três autarquias e a de Abrantes, de acordo com os seus planos municipais, liderada, na altura, por Maria do Céu Albuquerque, foi a que deu as melhores garantias. “Como a Paula (aponta para a mulher) tem raízes ali no Souto pareceu-nos a melhor opção”, justificou o ex-professor e vereador em Álcacer do Sal e agora empresário turístico.

As colinas assentam no turismo ambiental em espaço agro-florestal. Tem duas casas de madeira totalmente amovíveis, ou seja, sem fundações ou ligações à terra. Cada casa está equipada com quarto, casa de banho, e cozinha/sala. Têm todas as comodidades de uma qualquer unidade turística. Fogão, frigorífico, micro-ondas só não tem televisão e ar condicionado. “As casas foram feitas com madeira que veio da Rússia e a sua disposição permite, mesmo no pino do verão com 40º graus, abrir as janelas e de forma natural arrefecer o interior”, contou João, mostrando se seguida, com orgulho, a vista que se tem quando se abrem as janelas da sala: O rio Tejo no seu esplendor e mata, zona rural. Lá mais para diante pode ver-se a chaminé da Central do Pego. Mas não inviabiliza a paisagem natural.

Fora das duas casas, as redes presas às oliveiras e as mesas e cadeiras, de madeira, numa esplanada com vista para o rio convidam a uns finais de tarde fantásticos. Ou à contemplação das estrelas numa qualquer noite de verão. Ali, a calma só é trespassada pelo ruído passageiro de um comboio que pode passar na linha, a duas dúzias de metros. Mas também não são muitas as composições que passam por ali. Até se pode tornar uma outra atração, principalmente para as crianças que ficam eufóricas por poderem ver passar as carruagens.

“Este projeto foi todo desenvolvido com capitais próprios e pretende ser auto-sustentável”, sublinha João Gouveia que acrescenta já estar a produzir azeite totalmente biológico das oliveiras da propriedade. “Criamos programas para a apanha da azeitona, que é moída no lagar da cooperativa das Mouriscas, pelo que criamos riqueza local”, destacou com a ressalva de que muitas vezes encaminham grupos para os restaurantes da zona, O Castiço e o Serralves em Mouriscas, o Aquapolis em Abrantes ou o Bigodes na Ortiga. “Também no mel temos uma parceria com um apicultor local e vem dali (aponta a encosta em frente à entrada das colinas onde se podem ver as colmeias espalhadas no meio da flora). As colmeias estão ali situadas”.

Descendo a colina, de volta à entrada, encontramos as árvores de fruto que vão crescendo, já plantadas pelo João e equipa. Há um outro edifício de casas de banho, minibar que dá apoio a toda a zona de campismo: “Já aqui tivemos grupos e escolas a acampar com atividades ligadas à natureza ‘selvagem’ e temos vários desportos de lazer”, explicou apontado ainda as bicicletas de BTT que qualquer cliente pode usar. Depois também tem nos kayaks outra possibilidade de atividades: “Aqui é possível construir um kayak, temos essa experiência. Podemos construí-lo, de acordo com todas as normas de segurança, e ir ali ao Tejo fazer as experiências ou até mesmo fazer canoagem”, salientou João Gouveia apontando o pequeno lago das rãs, a horta onde crescem as favas, o palco para a música ao vivou ou ainda o círculo do fogo de campo. “Temos tradições muito ligada sãos Celtas que assinalamos, como os equinócios. É uma coisa pouco normal, um fogo de campo no meio do nada, onde se contempla o céu e se ouvem apenas os ruídos da natureza”. Quando nos aproximamos do pequeno lago, as rãs, pequenas, saltam e escondem-se naquele retângulo de água.

Aqui e ali encontram-se também alguns jogos. Os jovens podem participar em muitas atividades, mas sempre amigas do ambiente. Pretende-se que seja um espaço saudável.

Saindo das Colinas do Tejo, João Gouveia leva-nos pelo circuito “mais selvagem” de acesso à outra parte da propriedade. Entre a linha do comboio e as águas do Tejo. Passamos um ribeiro onde está uma ponte de madeira e onde se assinala a passagem da grande Rota do Tejo. Aliás, os “Caminhos do Tejo” passam por ali. A sinalização permite aos caminheiros ou a quem anda nestas andanças identificar todos os circuitos com base nas barras inscritas nas placas que indicam as direções a tomar. Depois surge uma outra ponte. Esta feita à moda artesanal, ou seja, de troncos amarrados uns aos outros. E feita por jovens que por ali passaram uns dias, em acampamento.

“Tivemos aqui um grupo de jovens de uma instituição de Mira-Sintra que ficaram maravilhados com esta experiência ‘selvagem’. Uns com algum receio em passar nesta pequena ponte (aponta para os troncos) mas outros a delirar”, contou e depois vai deixando outras notas: “ali temos cogumelos. Não somos especialistas pelo que não sabemos se são comestíveis, e ali estes buracos na areia, é onde os javalis enfiam o focinho para tentar encontrar raízes para comer”.

Entre canas e arbustos entramos na zona que está, atualmente, a ser trabalhada. Toda limpa, cheia de socalcos, com árvores. Foi ali que construíram uma plataforma de madeira entre várias árvores. É a casa na árvore, uma plataforma que não “magoa” os troncos onde está amparada. “Temos a nossa praia fluvial que agora não é praia desde que construíram o travessão para a Central. Tínhamos areia até à água e agora temos a água logo aqui”, lamentou o empresário garantindo que vai avançar com a criação da praia e de condições para ter ali um rebanho de ovelhas. Já sobre a poluição prefere não adiantar muitos comentários, mas garante que a água não tem comparação com a que tivemos há um ou dois anos. A ideia é mexer naquela zona, sempre sem agredir a natureza, mas criar condições para fazer entrar os kayaks no Tejo.

As Colinas do Tejo tiveram, segundo disse, mais de dez mil visitantes em cinco anos, entre atividades lúdicas e dormidas. Trata-se de uma unidade para turistas amigos do ambiente e com poder de compra, que procuram cantos e recantos como locais de inspiração. “Já tivemos músicos norte-americanos, artistas de circo da Europa, e já tivemos clientes de todos os continentes e atividades como descidas do rio, retiros de ioga, caminhadas, caminhadas silenciosas, ou as festas do equinócio”.

João Gouveia enaltece o trabalho das gerações de outros tempos, de outros séculos, ao apontar para a forma como criaram socalcos com empedramentos para ganhar terrenos, eventualmente agrícolas a encostas cheias de pedras. “Continuamos a fazer esses empedramentos e até contratamos mão de obra local que sabe como colocar as pedras”, explicou sempre com o pensamento em trabalhos amigos do ambiente e da natureza.

O regresso às “casas das Colinas” é feito pela encosta, passado a linha do comboio, onde se percebe que a topografia e até o tipo de terra é diferente. Ali é tudo barro vermelho por isso foi mais difícil encontrar espécies de árvores que pudessem ficar enquadradas, “mas encontrámos. Figueiras e oliveiras. E já agarraram”, explicou apontando para a encosta mais íngreme que sobe até às casas. Casas castanhas e mostram, em abril, canteiros de flores laranja que dão uma tonalidade muito própria, misturadas com o verde de árvores e arbustos ou da floresta envolvente. Há de tudo, pinheiros, azinheiras, salgueiros, zambujeiros e até as invasoras como eucaliptos e acácias. E há o normal daqueles terrenos afastados, a falta de limpeza das matas. “Aqui fazemos o nosso trabalho e o ano passado tivemos um fogo perto que nos permitiu testar o plano de emergência, em 15 minutos temos tudo encharcado e o pessoal pronto a sair para a freguesia”, garantiu João Gouveia que não deixou de fazer reparos à forma como as pessoas no nosso país voltam as costas às pérolas que têm. Considera-se um ambientalista, mas é contra todos os radicalismos. Apenas lamenta a forma como as pessoas, de um modo geral, foram abandonando os campos e a floresta.

“Aqui vendemos experiências e não apenas noites ou fins-de-semana. E não temos cozinha. Enviamos os clientes para os restaurantes da aldeia ou da região. Também promovemos visitas aos castelos de Abrantes, Belver ou Almourol”, justificou João Gouveia sempre com a tónica local quando explicou que também mostram a Cerâmica Tejo, com a fabricação do tijolo de burro, ou a Sifameca, com a fabricação de capachos ou tapetes de cairo.

João Gouveia conclui dizendo que tem agenda preenchida até outubro e que o “nosso público é muito cultural, procura cultura, experiências e o selvagem”.

Entrar nas Colinas do Tejo é sair do corre-corre quotidiano e poder recuar no tempo. O tempo em que o homem vivia em sintonia com a natureza e a usava de forma sustentável e sem agressões. É viver em comunhão com as árvores e plantas e até com os animais que por ali andam, entre aves, esquilos vermelhos, raposas, coelhos e até os javalis.

Reportagem de Jerónimo Belo Jorge