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Entrevistas

“Para aumentar a qualidade da medicina é fundamental tornar a implementar os concursos e as carreiras médicas”

25/03/2019 às 00:00
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São palavras de Luís Fernandes.

Alto, franzino, andar sereno, semblante calmo e sorriso pronto, trato fino e pose distinta, olhar suave que transmite calma e prontidão, é um ligeiro retrato do nome mais sonante que encontramos quando se pergunta a um abrantino: qual a pessoa melhor conceituada e respeitada nesta cidade - Luís Filipe Moura Neves Fernandes, médico-cirurgião, amigo e sempre pronto a ajudar o próximo.

Com um percurso estudantil e académico brilhantes, ingressou em Medicina, com dispensa do exame de admissão à faculdade, e iniciou o curso no Hospital Universitário de Santa Maria (à data a única Faculdade em Lisboa). Após terminar o curso, fez a tese de licenciatura com um trabalho de investigação anatomopológico e clínico.

Especializou-se em cirurgia geral por opção e concorreu para o internato do Hospital de Santa Maria.

No seu percurso militar passou por Santarém, foi mobilizado para a Guiné e colocado no Hospital Militar de Bissau, como ajudante de cirurgião (1969-1970).

Após regresso, foi assistente de cirurgia em Santa Maria e concluiu a especialidade que durou (6 anos). Foi assistente de Patologia Cirúrgica, colaborando nas aulas práticas e fez concurso de cirurgia da zona sul.

Acedeu em 1980 a vir para Abrantes, com a promessa da construção de um novo Hospital.

Em 1983 foi nomeado pelo Ministro da Saúde para presidir à comissão instaladora do novo Hospital de Abrantes, onde, durante 8 anos, exerceu em simultâneo. Inaugurado em 1985, foi nomeado para presidir ao conselho diretivo e, em 1988, foi indigitado para presidir o concelho de Administração onde se manteve até à sua aposentação.

Concomitantemente exercia as cirurgias de rotina de doentes da enfermaria e do serviço de urgência e, num período de 8 anos, acumulou ainda com a direção clínica.

Nos anos 80, frequentou por cinco vezes o curso intensivo anual de cirurgia no Hospital de Santa Cruz e S. Paulo, em Barcelona, e fez dois concursos de cirurgia para Graduado e depois para Chefe de Serviço. Este último é o topo da carreira médica hospitalar e obteve uma das melhores classificações.

Em 2002 fundou, juntamente com 24 amigos, a Liga dos Amigos do Hospital de Abrantes, da qual é presidente. É uma IPSS com estatuto de utilidade pública.

Como lazer, faz parte atualmente dos corpos sociais dos Amigos do Museu, do Museu Nacional do Azulejo, do qual é vice-presidente da Assembleia Geral e é membro do Círculo Richard Wagner em Portugal.

Quem o marcou mais durante o período de aprendizagem?

A minha professora primária, a Dª Hermínia Pires Alves. O meu pai que faleceu no meio do meu curso de medicina. E, mais tarde, o professor Jaime Celestino da Costa, catedrático de Patologia Cirúrgica, bem como o professor doutor Diaz Gonçalves, cirurgião com quem trabalhei até vir para Abrantes e que me ensinou tudo o que sei da profissão, com o qual mantenho ainda uma profunda amizade.

O que pensa da medicina no nosso país?

A meu ver, a medicina em Portugal está em crise.

Por um lado o SNS está a deteriorar-se. Por outro, acabou-se com as carreiras médicas hospitalares com que o professor Miller Guerra há tantos anos se empenhou, o que leva à falta de concursos e à qualidade da medicina. Isto em termos gerais, contudo, continua a haver médicos de exceção.

Há uma pulverização de Faculdades da Medicina o que leva a uma menos concedida qualidade de ensino. Os hospitais e as entidades públicas empresariais (EPE) contratam médicos a prazo apenas pelo currículo, sem concursos, o que contribui para a falta de estímulo.

Repito, para aumentar a qualidade da medicina em geral no país é fundamental tornar a implementar os concursos e as carreiras médicas. Só assim, se faz uma seleção.

Atendendo à folha de serviço até hoje prestada, alguma vez foi condecorado?

Quando me reformei fui agraciado pelo senhor Ministro da Saúde, com a “Medalha de Prata” de “Serviços Distintos”, pelos serviços prestados na minha vida profissional e administrativa.

A Câmara Municipal de Abrantes atribuiu-me em cerimónia pública a “Medalha Municipal de Mérito Social”, como reconhecimento pela atividade social desenvolvido extra hospitalar.

Fui ainda homenageado pelo Rotary Club de Abrantes na cerimónia da personalidade do ano.

O que pensa da sociedade jovem?

A sociedade jovem sofre de falta de estímulo, dadas as escassas perspetivas de futuro.

Os mais capazes depois da licenciatura rumam para países que oferecem mais perspetivas.

Como vê o mundo de hoje?

O mundo de hoje é um “mundo cão”. Vejam-se os conflitos por todo o lado, em vários continentes. Estou com o Papa Francisco quando diz que é preciso paz, amor e solidariedade.

E a política nacional?

A política portuguesa é uma política de geringonça e quase não menciona o facto de a dívida ultrapassar 130% do PIB.

A título de exemplo conta-se a história entre Otelo e OLof Palme, em que este pergunta, no final qual o objetivo pós revolução? Otelo diz “acabar com os ricos” e Olof Palme responde, “é curioso, nós na Suécia, queremos é acabar com os pobres”.

E os nossos políticos?

Há os sérios e os que se servem da política para seu próprio interesse.

Isso explica porque há tanta corrupção.

Tenho a convicção de que metade dos deputados da Assembleia da República não está à altura do cargo que desempenha e que o seu número é excessivo.

A Holanda, com mais população que Portugal, tem 180 deputados.

O que pensa de Donald Trump?

Donald Trump é um construtor civil multimilionário e que é exemplo, para alguma classe média americana que sonha com a riqueza. Chegou a presidente com uma atitude populista com o slogan de criar uma “América Grande” com muita riqueza.

É um impreparado político bem como o seu staf.

Que contributo deu a sua família à cidade de Abrantes?

O meu pai sempre gostou muito de Abrantes.

Foi um grande impulsionador na evolução desta cidade. Começou pela edificação da Casa de Saúde extinta em 1985. Juntamente com um grupo de amigos (Iniciativas de Abrantes) em 1940 edificaram o Colégio de Nossa Senhora de Fátima que entregaram às irmãs Doroteias; em 1948 o teatro S. Pedro cedido à Câmara Municipal de Abrantes por 19 anos; em 1954 o Hotel Turismo que, após o 25 de Abril, foi ocupado pelos empregados e o colégio de La Salle em 1960, vendido ao Estado em 1976, atualmente denominada Escola Secundária Dr. Manuel Fernandes.

Tal como ele, eu gosto muito da cidade.

Pode falar-me um pouco da Liga?

A Liga dos Amigos do Hospital de Abrantes, da qual fui um dos fundadores e sou Presidente, tem tido grande parte ativa no Hospital. Auxiliamos os doentes com dificuldades monetárias na medicação, acompanhamento e transporte.

A Liga tem auxiliado e patrocinado de uma forma geral o Hospital de Abrantes em equipamentos e estruturas nomeadamente na esterilização, cardiologia, cuidados intensivos, e ainda a pintura geral do Hospital e a reparação do refeitório, entre outras ações. Em algumas situações tivemos a preciosa ajuda do mecenato.

Era necessário ter ocorrido a transferência de serviços para os Hospitais de Tomar e Torres Novas?

Este Hospital era suficiente e foi construído para acolher todas as especialidades. Contudo, a política é que manda. Cada Ministro mandou edificar um Hospital, em Torres Novas e Tomar em vez de um edifício novo. Assim, como se trata dum Centro Hospitalar, houve que repartir serviços pelos três Hospitais.

Tem alguma coisa que ainda gostasse de fazer em benefício da sociedade?

Bem, gostava de conseguir uma unidade intermédia de cuidados continuados.

Isto é, durante um período entre a alta hospitalar e o domicílio, os doentes poderiam ali permanecer com vigilância.

Como vê Abrantes a nível social e económico?

A nível social há uma razoável resposta da parte oficial e da igreja. A economia está debilitada, o centro histórico está adormecido, o comércio está a diminuir e os lojistas queixam-se das restrições da circulação e do estacionamento. Há que repensar para salvar a cidade.

 

Sérgio Figueiredo