Pesquisar notícia
quinta,
25 abr 2024
PUB
Entrevistas

Music Box: De Cabinda e do Calulu, de Guimarães à vinda para Abrantes

23/05/2019 às 00:00
Partilhar nas redes sociais:
Facebook Twitter

Maria Helena Bandos, a professora de História e encenadora de teatro que tem um registo e uma marca em Abrantes nasceu em Angola. Angola não, em Cabinda. E faz questão de dizer desta forma porque, como afirmou no Music Box, Cabinda tem outro registo na vida naquele país. “O povo de Cabinda é muito cioso da sua autonomia e muito diferente do povo angolano e por isso haverá sempre problemas. Lá somos nós, temos uma identidade própria.”

A galardoada pela Antena Livre e Jornal de Abrantes com a distinção Carreira revelou que há propriedades que ficam: “Se o Jerónimo for agora a minha casa tem a mesa posta, tal como se fosse em Cabinda”. Por outro lado revelou que regressou a Cabinda em 2016, 50 anos depois de ter lá voltado, e teve a família reunida à sua volta porque, sendo a mais velha, é a ela quem lhe cabe tomar certas decisões. E isso passou-se nesta última viagem o que para o mundo ocidental pode ser “retrógado, para nós, lá, é cultural”.

Helena Bandos recordou que depois de vir para Portugal fez uma visita à família em 1964, fruto de um prémio de estudante que o regime patrocinava, na altura. Nessa altura, 1964, Luanda tinha mais vida, mais frenesim do que a própria capital portuguesa. “Recordo-me de uma avenida cheia de mangueiras e, imagine, o cheiro daquela avenida no tempo das mangas”, disse Helena Bandos acrescentando que agora, a imagem que tive foi uma lixeira. Atualmente a zona histórica de Luanda tem a mesma confusão, uma zona histórica degradada, mas tem, depois, condomínios de luxo. “Há duas Luandas. A dos arredores, de luxo, e a histórica, mais degradada”.

A professora de História, na reforma, recordou ainda os sabores de Angola, como o Calulu, um prato de peixe feito com beringela, tomate e folha de batata doce. “A folha de batata doce faz um esparregado maravilhoso assim como a folha de abóbora ou a folha de tomate faz uma sopa fantástica”.

Helena Bandos disse ainda que identifica os angolanos que está por cá quando a abordam e chamam mãe ou avó. “Há tempos em Lisboa um rapaz veio ter comigo e disse: Oh mãe queres uma revista? Perguntei logo de onde era. Porque aquele “chamamento” é tipicamente angolano”.

Na conversa Helena Bandos recuou aos 13 anos, quando veio de Angola de barco para Portugal. Chegamos a Lisboa e fomos de comboio para o Porto. “Em Valongo o meu pai mandou parar o táxi para comprar fruta e quando vi o carro a ser assaltado por um grupo de pessoas fiquei assustada. Vi o meu pai a abrir a carteira e a distribuir dinheiro. Perguntei ao meu pai quem eram e ele respondeu que eram pobres. E eu perguntei-lhe o que eram pobres. Impressionou-me muito”.

Quando chegámos a Gandara, ali perto do Porto, entrei para a escola, uma instituição de meninas, em Guimarães, na maioria pobres. Acrescentou que como o pai pagava os estudos, as freiras queriam que fizesse as refeições à parte das outras o que a levou a não comer.

Depois de Guimarães fez o curso de História em Coimbra. História porque não podia ir para medicina, tudo por causa da matemática.

Helena Bandos afirmou, após finalizar o curso, concorreu para Abrantes, mas foi dar aulas para Moura. “Era um exílio, sair de Moura para voltar a Coimbra, para namorar um bocadinho, eram nove horas de viagem. Era um suplício. No concurso seguinte as lágrimas caíam-me, só de pensar que poderia voltar a ir para Moura. Quando estava a preencher os papéis recebi um telefonema da Escola Industrial e Comercial de Abrantes que tinham dois lugares, um de História e outro de Português. Foi simples, o António (António Bandos, o marido) ficou com a História e eu com Português. E ao fim de cinco anos efetivei aqui. Ficámos aqui”.

E foi na “Escola Industrial” que começou a sua ligação ao teatro, embora o gosto pela representação vem do colégio de Guimarães em que o professor de matemática, disciplina que nem gostava, a ensinava a dizer poesia. Na escola, em Abrantes, “O morgado de Fafe em Lisboa” foi a primeira peça que encenou. Depois, na escola ou no Grupo de Teatro Palha de Abrantes, tenta misturar as peças para variar, se um ano faz uma comédia no ano a seguir pode fazer uma mais pesada.

Helena Bandos, professora reformada aponta o dedo ao ensino hoje, que é muito mais formatado à teoria e revelou que hoje seria impossível agarrar numa turma e ir para o jardim do castelo fazer uma aula de história ao vivo. “Hoje é tudo mais formatado e rígido”.

Depois da História foi o teatro que a marcou e por onde ainda anda, com o Grupo de Teatro Palha de Abrantes. É o teatro que continua a ser, agora, sua paixão e por onde continua a fazer acontecer.