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Cultura

CRÓNICA: «Hipócrates e a atualidade»...por Luís Barbosa

14/07/2020 às 00:00
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SALPICOS DE CULTURA...
«Hipócrates e a atualidade»

 

 


Certo dia em que o meu filho mais velho, e a minha neta estavam cá por casa, resolveu-se dar um salto a Marvão. Foi proposta que recebeu acordo unânime da família. Primeiro porque a neta deu conta de que gostava muito de ir ao castelo, depois porque o meu filho já tinha fracas memórias das idas que lá havíamos feito, para além de tanto eu como a minha mulher termos agradáveis recordações das viagens que normalmente lá fazemos e dos belos momentos que por lá temos passado.


Gosto de Marvão. Porque nado e criado na Alfama de Lisboa e tendo tido sempre o Castelo de S. Jorge por companheiro, tornei-me bom admirador de castelos e tendo sido o miradouro do Monte, lá bem no cimo da Graça lisboeta, meu habitual companheiro, fiz-me amante de boas paisagens. A viagem foi rápida e como resolvemos almoçar em Marvão chegámos cedo. Desfrutámos de bom tempo para calma e serenamente percorrermos as ruas e vielas da vila. A minha neta quis mesmo dar volta completa às muralhas do Castelo e a família seguiu-lhes os passos. Contudo, um facto ocorreu que diferenciou esta visita das outras. É que agora, ao contrário das anteriores, o Museu já estava em condições de ser visitado.

 

Gostei do que vi, embora me pareça que há ainda muito que retocar nas paredes, pinturas e obras de arte que se podem apreciar. Porém, ao olhar para uma vitrina onde alguns livros estavam expostos, a minha atenção prendeu-se a um título de obra que estava mais ao canto da mesma que na sua parte central. Mesmo assim, resolvi pedir que me deixassem dar uma olhadela pelo interior do livro. O título da mesma é “Quanto peso tem o pensar” e o seu autor dá pelo nome de Manuel Maneira. A edição foi da responsabilidade das câmaras de Castelo de Vide, Marvão e Tondela, publicado em 2015 e a obra serviu para integrar um projeto escolar desenvolvido na Escola Garcia da Orta, de Castelo de Vide. Claro que dei comigo a pensar que o autor não era dos conhecidos. Mas o título da obra, esse sim, deixou-me a pensar. É que, quanto a mim, esta coisa de perguntar quanto pesa o pensamento não é desafio que se faça sem muito já se ter pensado. A decisão foi simples. Comprei o livro e de imediato corri-lhe algumas páginas. A primeira constatação que me surpreendeu foi que todo o conteúdo da obra é composto por histórias da própria vida contadas na primeira pessoa pelo próprio Manuel Maneira. A segunda foi que na contracapa da mesma se diz que o autor foi agricultor por opção ética e que nascido em Molelinhos, em 1936, “subiu na vida” a pulso, tendo criado em Lisboa, entre meados dos anos de 60 e 70 um centro de enfermagem e um lar de idosos. Porém, veja-se bem, a deceção e nocividades estruturais da prática da enfermagem e da medicina levaram-no a abandonar, dezoito anos depois, essa prática profissional.


No livro podemos ler histórias da infância, da adolescência e da juventude, ter acesso ainda à maneira como decorreu a sua vida militar, à forma como se sentiu ostracizado por familiares e amigos e ainda como, em rutura com muitas das formas de estar que foi constatando, se dedicou à agricultura biológica, participou num rancho e como vem agora preencher, segundo sua própria expressão, os “dias úteis de reformado”.
São interessantes as histórias que conta. Porém, uma me deixou mais a pensar, é que em folha primeira da obra o autor refere o que passo a citar: “As grandes contradições existentes na sociedade no respeitante à saúde levaram-me a mudar de profissão, renunciando à enfermagem sem hesitações. Comecei a notar falta de visão e coerência na sociedade: as pessoas não querem ter sofrimento mas não abdicam de um modo de vida pouco saudável e de uma alimentação em que os excessos e os vícios estão quase sempre presentes”. Por fim, remata dizendo que afinal a grande expressão de Hipócrates “que o teu alimento seja o teu medicamento” foi completamente ignorada.
Bem, dizer que estes pensamentos são originais não é afirmação sustentável. Agora que aquilo que o autor nos traz à consciência parece-me de facto algo em que vale a pena pensar.


Portanto, o passeio agradou a todos e eu vim para casa a pensar no peso que o pensamento tem…
Despeço-me com amizade,


Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)