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CRÓNICA: «A água, um bem precioso», por Luís Barbosa!

3/09/2020 às 00:00
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SALPICOS DE CULTURA…

 

«A água, um bem precioso»

Hoje, e cada vez mais, continua a causar-me estranheza a forma como utilizamos a água. Lembro-me bem que na minha infância, habitando em Lisboa, no bairro da Graça, pese embora a Companhia das Águas de Lisboa providenciasse o abastecimento de água corrente, a generalização deste acontecimento foi algo atribulada.

A chegada deste líquido, em boas condições, a certas casas, teve os seus quês. Por isso, nalguns casos a existência da torneirinha foi um fenómeno que deixou alguns habitantes bem contentes. Ao invés, os fontanários públicos proliferavam um pouco por todo o lado. Lembro-me então, através de imagens que no meu cérebro estão tão presentes, que quase parecem atuais, do lindo chafariz que ficava bem perto da porta do prédio onde vivia e onde, veja-se bem, tanto as pessoas como os cavalos bebiam água. Claro que havia uma diferença.

Os seres humanos, utilizavam a torneira que o chafariz tinha em sítio alto, os cavalos, esses, bebiam a água do reservatório que mais abaixo estava sempre cheio. Porém, um facto era corrente, a saciedade de água era um ato frequente entre as crianças que brincavam na rua e a corrida à torneira do chafariz era permanente. Limpar a torneira era coisa que não ocorria a ninguém, se um bebia a água metendo a torneira na boca, o outro que se lhe seguia fazia a mesma coisa.

Facto é que, não me lembro de alguma vez, algum dos utilizadores do chafariz achar este procedimento desadequado, e tenho mesmo a impressão de que a generalidade dos cidadãos não tinha na mente a ideia de que utilizar assim a água poderia ser um contributo para a eventual propagação da cólera, ou de outras doenças. Mesmo assim tenho a impressão de que tal ideia, se hoje é já preocupação de uns quantos, ainda não é certamente de muitos. É uma impressão que me ocorre em função da maneira como observo que se utiliza a água que corre em muitos dos fontanários que vejo à minha volta. O que poderá indiciar que, em termos de saúde pública, ainda estamos uns bons passos atrás do que deve ser a sua correta utilização.

O conjunto de ideias que aqui arrolei é, como se percebe, muito pessoal, mas ocorreu-me quando passei os olhos pela história da vida de John Snow. Inglês, londrino, preocupado com as coisas da cólera, resolveu arregaçar as mangas e dedicar-se a uma das tarefas mais extenuantes que se pode imaginar. Bater de porta em porta, na chamada Broad Street londrina, e não só investigar a forma como em cada casa se utilizava a água, mas também expressar, em jeito de formação pública, as suas opiniões quanto ao facto da cólera ser uma infeção de origem aquática.

Snow conhecia pouco os fundamentos bactereológicos que provocavam tamanha epidemia mas uma coisa é certa, os seus estudos iniciaram uma era essencial para o avanço da chamada saúde pública. Hoje é um facto que as ditas populações civilizadas usufruem muito das suas descobertas. Desde a forma como os serviços públicos se dedicam à captação deste líquido, como ao seu armazenamento e até à sua distribuição, é possível constatar que o esforço em tratar a água é de enorme dimensão.

Mas a bela tem sempre um senão. Correndo hoje na minha bicicleta por muitos montes e vales, continuo a ver como este líquido, tão precioso é muito mal tratado. Desde desperdiçado, até conspurcado, de tudo lhe acontece, embora verdade se diga que é um facto beber-se hoje muito mais a água engarrafada. Porém, em tempo de pandemia, não de cólera mas de covidis, não nos iludamos, este líquido tão precioso está fortemente ameaçado pela forma como o homem o utiliza; são os relatórios das instituições internacionais que o dizem, e se novas atitudes não se ganharem face a este problema somos mesmo capazes de ver as torneiras, sejam as das nossas casas, sejam as dos jardins públicos, mesmo que algumas muito bonitas, tornarem-se obsoletas porque por elas a água pode vir a deixar de passar.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)